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Responsabilização tributária no novo CPC (Valor Econômico)

Responsabilização tributária no novo CPC
Por Breno Vasconcelos e Maria R. Matthiesen
Na obra Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, a figura do pai repete nos sermões a seus filhos: só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas. Longe da narrativa desconcertante do escritor paulista, o passar do tempo opera seus efeitos reveladores também no direito processual tributário.
A experiência profissional e acadêmica mostra que os processos administrativos tributários têm sido promovidos, em sua vasta maioria, exclusivamente contra o contribuinte da exação, deixando para o Judiciário a avaliação da legitimidade de terceiros para responder pelo débito e redirecionar a execução fiscal. Essa prática prevalece há anos sob intensa crítica de alguns doutrinadores.
Recentemente, o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 introduziu no sistema processual o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), despertando debates sobre sua aplicabilidade ou não à cobrança de créditos tributários, em especial nos casos de responsabilização pessoal dos terceiros elencados no artigo 135, IIII, do CTN (diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado).
O IDPJ é uma forma positiva de viabilizar a conciliação entre contraditório, ampla defesa e indisponibilidade do crédito tributário
Esse debate trazido com o passar do tempo nos leva a pensar sobre a justa natureza do redirecionamento, traduzida, na expressão de Renato Lopes Becho, como uma execução sem título.
Com efeito, os sujeitos passivos da obrigação tributária são previstos de maneira independente no artigo 121, do CTN, que descreve duas possíveis figuras relacionadas ao fato gerador da obrigação: o contribuinte, pessoal e diretamente relacionado ao fato, e o terceiro (substituto ou responsável), cuja posição decorre de expressa disposição legal e em razão de pressupostos distintos e autônomos (cf. RE 562.276/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno).
Nessa medida, se o crédito tributário for constituído administrativamente e inscrito em dívida ativa apenas contra o contribuinte, a cobrança perante terceiro, já na execução fiscal, não estará lastreada por nenhum título executivo extrajudicial. A consequência é simples: sem título que reflita a apuração da legitimidade do terceiro na esfera administrativa, também não há presunção de certeza e liquidez construída a partir do contraditório e da ampla dilação probatória oportunizados pelo PAF.
Há, aqui, uma ressalva importante: os casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, que, constatada apenas no curso do processo executivo, estão acobertados pela Súmula 435 do STJ e não podem ser analisados apenas sob o enfoque das mesmas premissas que adotamos neste artigo.
Voltando ao raciocínio que construíamos, no redirecionamento da execução fiscal, a formalização da relação jurídica entre o terceiro e o Fisco ficará, então, a cargo da decisão judicial, operando-se uma inversão da ordem que rege o crédito tributário: primeiro ocorrerá sua constituição e a sujeição do patrimônio do terceiro à cobrança do débito, e depois os requisitos para sua formação serão verificados.
Nesse cenário, o IDPJ aparece como um bom instrumento de equalização entre as situações de redirecionamento da execução fiscal (prejudiciais, por natureza, ao devido processo legal) e aquelas em que a cobrança é efetivamente embasada em título executivo extrajudicial.
Bom, mas extraordinário. Ou seja, não entendemos que o IDPJ deverá assumir, agora, o papel primordial na responsabilização pessoal do artigo 135, III, do CTN. Sua utilização como regra não é correta e nem desejável, pois tumultua o trâmite dos processos e aumenta o já abarrotado estoque de execuções fiscais, além de aumentar o risco de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que se tornou mais intenso e grave com as alterações promovidas pelo artigo 85 do CPC/15.
O momento correto para a constituição do crédito tributário contra contribuinte e terceiro, insistimos, é o processo administrativo fiscal, fase reservada pelos artigos 5º, incisos LIV e LV da Constituição, 142 e 204 do CTN e 2º e 3º da LEF para a discriminação das condutas praticadas pelos sujeitos passivos na qualidade de devedores ou responsáveis, como e se elas o vinculam ao débito tributário, e, por consequência, se é cabível sua responsabilização.
Quando não respeitada essa lógica, contudo, a instauração do IDPJ nos parece uma forma positiva de viabilizar a conciliação entre contraditório, ampla defesa e indisponibilidade do crédito tributário. Com o modelo processual trazido pelo novo CPC e a essência que motivou sua redação, estamos no momento certo para equacionar as distorções e injustiças históricas causadas pelo redirecionamento indiscriminado das execuções fiscais. Ou, como disse o poeta francês Victor Hugo, nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou.
Breno Ferreira Martins Vasconcelos e Maria Raphaela Dadona Matthiesen são, respectivamente, mestre, professor da escola de direito da FGV-SP e sócio do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados; pós-graduada em direito tributário pela Escola de Direito da FGV-SP e advogada no mesmo escritório.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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