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Bônus por aplicação de multa trabalhista desvirtua ação de oficiais, diz advogado (CONJUR)

POLÍTICA DE PESSOAL
Bônus por aplicação de multa trabalhista desvirtua ação de fiscais, diz advogado

11 de janeiro de 2017, 18h56
Por Pedro Canário

A mesma medida provisória que cria o “bônus de eficiência” para auditores fiscais conforme as multas que apliquem abrange também os auditores fiscais do Trabalho, vinculados ao Ministério do Trabalho. Só que estes não têm função de arrecadar nem de punir, mas de orientar. E vincular a atividade deles ao quanto arrecadam significa desvirtuar o papel dos fiscais dentro da legislação trabalhista.

Essa é a avaliação do advogado Nelson Mannrich, professor de Direito do Trabalho da USP, sobre a nova política de estímulo à produtividade dos fiscais do governo, criada pela MP 765/2016. Para ele, estimular os fiscais do Trabalho a multar como forma de medir sua eficiência é “impor uma visão atrasada de que o Estado existe para punir o empregador, e não estimulá-lo a cumprir a lei trabalhista”. “O papel do fiscal do Trabalho é social, e não arrecadatório.”

A medida provisória foi publicada no dia 29 de dezembro de 2016. Conforme mostrou reportagem da ConJur, ela foi usada para atropelar um debate no Congresso que discute, num projeto de lei, diversas medidas negociadas entre o governo e sindicatos de fiscais. Hoje, o projeto tramita em uma comissão especial da Câmara e já recebeu parecer favorável do relator, o deputado Wellington Roberto (PR-PB).

O dinheiro do bônus, conforme o texto da MP, virá das multas aplicadas pelos auditores fiscais. No caso dos fiscais do Trabalho, o “bônus de eficiência” está descrito no artigo 15. O parágrafo 4º é quem diz que a base de cálculo do bônus “será composta por 100% das receitas decorrentes de multas pelo descumprimento da legislação trabalhista”.

Para Mannrich, por meio da criação do bônus, o governo estimula o papel repressor da fiscalização e deixa em segundo plano o papel orientador. Isso, diz, retira a legitimidade do fiscal do Trabalho perante o empregador. “Como o fiscal do Trabalho vai desempenhar seu papel se ele perder a essência de sua missão?”

“Se a empresa está em crise, endividada, e chega um auditor para multá-la pelo descumprimento de uma burocracia que não tem valor em matéria de proteção a direitos, vai onerar ainda mais o empregador”, afirma o advogado. “E o empregador não vai ter outra escolha a não ser pensar que está pagando uma multa para financiar um bônus de produtividade para os fiscais. É uma análise equivocada, apressada, mas possível e, neste caso, quase inevitável.”

Finalidade
O papel do fiscal do Trabalho está definido na Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho, explica Mannrich. A convenção foi ratificada pelo Brasil em 1957 e desde então está em vigor.

E o artigo 3, item 1, letra “b”, da Convenção 81 diz que “o sistema de inspeção do trabalho será encarregado de fornecer informações e conselhos a empregadores e trabalhadores sobre os meios mais eficazes de observar as disposições trabalhistas”.

Esse papel orientador foi reforçado mais recentemente por meio da Lei da Microempresa, a Lei Complementar 123/2006. Em outubro de 2016, o Congresso aprovou uma alteração no artigo 55 da lei para dizer que, em relação à micro e pequena empresa, a fiscalização trabalhista “deverá ser prioritariamente orientadora”.

A mudança foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer. Ele chegou a vetar alguns dispositivos do texto, e depois esses vetos foram derrubados, mas a mudança no artigo 55 não foi um deles.

O projeto que originou a alteração na Lei da Microempresa é de autoria do deputado federal Barbosa Neto (PDT-PR). Mas foi o substitutivo do Senado que priorizou o papel orientador do fiscal do Trabalho, por sugestão da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), autora do texto aprovado pelas duas Casas.

“Em vez de punir, os fiscais orientarão os empresários com relação às diligências necessárias para a adequação dos negócios, até uma próxima visita fiscalizatória”, escreveu a senadora, em seu parecer na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

“Isso é fundamental”, completa Mannrich. “A legislação trabalhista é muito intrincada, muito difícil, há muitas zonas cinzentas e muitas armadilhas, e o papel do fiscal do trabalho deveria ser o de ajudar as empresa e os empregadores a cumprir a lei, e não pressioná-los a pagar multas.”
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2017, 18h56